quinta-feira, dezembro 08, 2011

O dia em que a vida errou


R. Lousa Santos

As cortinas eram negras, as luzes estavam apagadas, totalmente apagadas. Ela estava sozinha no palco e não conseguia enxergar nada. A solidão mexia com ela. O palco era imenso, ela podia andar por onde quiser, porém devia tomar cuidado, em algum lugar o palco acabava e vinha o precipício.
Numa cidade do Brasil um casal de jovens casados comemorava.
— Sei que nosso filho será grande. – Disse a mulher.
O marido segurava os exames de comprovação de gravidez da esposa.
— Claro que vai. Quando ele nascer iremos fazer uma festa que terá repercussão mundial, querida. Ninguém ficará sem saber quem é o nosso filho.
Eles se beijam.
No México o jovem empresário estava misturado com os outros colegas de sua classe. Todos vestidos especialmente para a formatura. Agora eles atiravam os capelos para o ar. Podiam dizer que eram executivos.
Seus pais olhavam para ele se divertindo. Em seguida ele percebeu o olhar dos pais e foi abraçá-lo.
— Estou tão feliz. Obrigado, pai, mãe.
Os planos eram imensos. A construção de empresas, sociedades, etc. aquilo era fantástico.
Na Espanha todos os familiares e alguns amigos se reuniram em torno da cama do adolescente que ficara duas semanas em coma, e que já estava quase recebendo alta.
— O médico disse que você poderá sair daqui a duas ou três semanas. – Um homem de barba mal feita.
— Não vejo a hora de voltar para casa. – Disse o adolescente sorrindo.
Na sede da ONU vários representantes de inúmeros países se reuniram para procurar soluções para os problemas que talvez não conseguiam enfrentar:
— O pássaro daquela garotinha voou para longe.
— É impossível dizer para onde ele foi.
— Tudo indica que ele encontrou outros do bando.
— Teremos que comprar outro e dar de presente a ele.
— Isso!
Todos se levantaram e começaram a bater palmas em comemoração pela bela solução encontrada.
No Egito um casal de namorados se beijava.
— Quando vamos nos casar? – A garota perguntou.
— Era eu que devia fazer o pedido. – O namorado respondia sorridente.
— Mas eu não fiz o pedido. Quero saber quando você vai fazer!
— Não sei. Pode demorar muito, pode não demorar.
No Japão a garotinha que passou a vida a cuidar de um lindo canarinho se viu sem ele, pois esquecera a gaiola aberta. O presidente pessoalmente lhe entregara um novo. Mais lindo que o primeiro.
Os olhos da garotinha brilharam imensamente quando viu seu novo amigo.
— Obrigada, obrigada! – Gritava ela em japonês.
O presidente contagiado pela alegria da jovem segurou as mãos da mãe e começou a pular, logo todos estavam juntos, pulando, alegres.
Em algum lugar do mundo dois homens exaustos na cama olhavam um para o outro.
— Se meus amigos descobrirem o que acabei de fazer ficaram bobos.
— Se minha mulher descobrir o que fiz, ela me mata, pelo menos me castra.
Os dois riram. Gargalharam.
Em outro lugar um cientista descobre uma forma de fazer com que as árvores germinem com mais velocidade sem prejudicar o seu desenvolvimento futuro.
Duas mulheres passeavam de mãos dadas pela rua. Elas haviam conseguido adotar o bebê que havia lutado tanto para isso.
Uma criança fumava pela primeira vez uma pedra de oxi.
Físicos aprendiam a controlar a gravidade.
Matemáticos escreviam a fórmula matemática do amor.
O padre rezava sua missa para os fiéis.
Traficantes morriam baleados pela polícia especializada.
No jornal a manchete: Abalos sísmicos sentidos em todo o mundo.
Às três horas e dois minutos o plantão informava:
— Às 3 horas houve um terremoto de baixa intensidade em todo o mundo ao mesmo tempo. Durou menos de minuto, ainda não se sabe o motivo, nem o epicentro. Voltaremos a qualquer hora com mais informações.
Crianças morriam de fome. Pessoas morriam em guerras patrocinadas pelos países de primeiro mundo.
O papa pedia paz.
Seguidores de Gandhi também.
Ladrões davam golpes em pessoas inocentes.
Pessoas inocentes matavam.
Pessoas inocentes morriam.
Pessoas perigosas eram presas.
Políticos roubavam e diziam que eram inocentes, não eram presos.
Um mendigo que encontrou uma moeda no chão foi preso, acusado de roubo.
As pessoas não faziam nada.
A educação era uma questão a parte. Saúde somente para quem tem dinheiro.
— Vamos casar?! – Emoção.
— Ladrão! – Roubo.
— Socorro! – Desespero.
— Meu filho não. – Sofrimento
— Ahhhhhhhhhh! – Prazer
— Viva, viva! – Alegria
— Isso é bom demais. – Diversão
As luzes do palco continuavam apagadas, mesmo assim tudo seguia a sua ordem natural.
O jornal publicava:
“Lei aprova desmatamento na Amazônia.”
“Preço de produtos proveniente de madeira cai.”
“Prêmio Nobel concedido para aquele que tanto defendeu a paz.”
“Amor é uma função linear.”
“Você pensa, ele faz.”
“Robótica alcança recorde.”
“Provado: Deus não existe.”
“Outro terremoto mundial, a interrogação continua.”
“O que será?”
O palco agora sacolejava violentamente.
A garota colocou as mãos, vendando os olhos. Ela lutara tanto para aquilo não acontecer. Agora aquilo acontecia.
A explosão começou no núcleo da Terra e se espalhou, arrastando para si tudo por onde passava.
Longe dali, era possível ver o surgimento de uma nova estrela no espaço…